Estima-se que atualmente, 106.857 pessoas vivem em situação de rua em São Paulo, das quais 64.818 estão localizados na capital da cidade, conforme constataram a equipe de pesquisadores do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua, do Polo de Cidadania da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
As moradias improvidas, como barracas colocadas nas ruas, sofreram um crescimento de 330% em 2021 em relação a 2019, de acordo com os dados. De todas as pessoas morando nas ruas, 39,2% são naturais da capital paulista, 19,86% são de outras cidades, e 40,94% são de outros estados do Brasil. O principal motivo que trouxe 52% das pessoas não naturais para a metrópole foi a busca por trabalho/emprego. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) explicou que 54% das pessoas que foram morar nas ruas foi devido à pobreza, desemprego e falta de moradia adequada a preços acessíveis.
Em nota, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social (SEDS), alinhada com a Política Nacional para População em Situação de Rua, anunciou que financia e cofinancia programas de apoio para essas pessoas nos 645 municípios, repassando, anualmente, mais de R$ 200 milhões em serviços socioassistenciais, como os Centros Pop. Fora isso, alegou que investiu, só em 2023, cerca de R$ 40 milhões em medidas para o enfrentamento da dependência química.
Em 2021, o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, lançou uma campanha virtual que denunciou mais de 100 pontos com arquitetura hostil em São Paulo.
À margem da sociedade e da cidade
Réguas de dentes de metal em uma parede baixa, estacas de pedra em vãos de viadutos e marquises, divisórias de metal em bancos públicos e outros tipos de iniciativas perigosas – e feias – é o que caracteriza a denominada arquitetura hostil. Esse conjunto de dispositivos construtivos são feitos com o objetivo expresso de impedir a permanência de pessoas em situação de rua em bancos de praças, espaços residuais em fachadas e demais áreas livres.
Portanto, ainda que não esteja familiarizado com o termo, se vive em uma metrópole como São Paulo, que sustenta a alcunha de “terra das oportunidades” na mesma proporção que possui o maior contingente de pessoas morando nas ruas por falta de emprego e moradia acessível, certamente já se deparou com esses “acessórios urbanos”.
As raízes da arquitetura hostil são encontradas já no século XIX em países e cidades europeias, como Veneza e Londres, onde a iniciativa pública criou os defletores de urina, um dispositivo construído nas laterais ou cantos dos edifícios para desencorajar a micção pública. O conceito dessa intervenção pública foi absorvido pelos Estados Unidos segregado da década de 1960 para impedir que pessoas pretas encostassem ou ocupassem lugares destinados apenas a pessoas brancas.
Em meados da década de 1980, as elites norte-americanas foram confrontadas com um aumento gigantesco da população desabrigada devido aos cortes de serviços, o fracasso nacional em lidar com o HIV e a AIDS, o processo de gentrificação acelerada e a desindustrialização que empurraram milhares de pessoas para fora da moradia permanente.
A alternativa para empresas e políticos pós-industriais que queriam atrair compradores, turistas, trabalhadores de escritório e incorporadoras imobiliárias para metrópoles como Nova York, foi instalar alternativas arquitetônicas na paisagem pública em vários pontos das cidades para espantar pessoas carentes e moribundas. Dessa forma, sua presença não diminuiria os valores das propriedades, ainda que vulnerabilizasse ainda mais sua vida.
Um símbolo de anti-arquitetura
Há defensores que alegam que esse tipo de desenho urbano é necessário para ajudar a manter a ordem, garantir segurança, coibir comportamentos indesejados e manter a paisagem “limpa”. Essa ideia de higienização não só é um reforço à segregação de pessoas em situação de rua e escancara um problema que deveria ser resolvido por meio de políticas públicas, como é considerada uma espécie de anti-arquitetura.
Em matéria ao Archtrends, as arquitetas Carol Bernardo e Tamires de Alcântara observaram que, se a base da arquitetura é o abrigo e o ofício do Arquiteto e Urbanista é propor espaços de bem-estar e acolhimento, impedir o uso de espaços públicos vai na contramão desses princípios. A arquitetura hostil, como ficou claro no ponto acima sobre sua jornada histórica, nunca se tratou de uma alternativa para resolver a complexa questão das pessoas em situação de rua, apenas uma forma da especulação imobiliária e da iniciativa privada não perder oportunidades.
Com isso, todos os cidadãos perdem, a começar por uma simples atividade, como sentar em um banco para descansar e desfrutar da sombra de uma árvore. A culpa não é de quem ocupa esses espaços em situação de sobrevida. Além disso, a cidade pertence a todos, não apenas àqueles que tem poder de compra.
Em 22 de dezembro de 2022, foi derrubado o veto do então presidente Jair Bolsonaro ao projeto de Lei 488/2021, que veda o emprego de técnicas de arquitetura hostil em espaços livres de uso público. Com isso, foi promulgada pelo Congresso Nacional a lei n.º 14.489/2022, levando o nome de Padre Júlio Lancellotti, classificada como “lei de ocasião”, por ter sido criada a partir de fatos que mobilizaram a opinião pública. Práticas de arquitetura hostil são consideradas crime.
Fonte: Mega Curioso