Após o Oscar de Ainda Estou Aqui, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve julgar ações que podem rever a anistia de 1979 neste ano, impactando a redemocratização do País. O julgamento terá repercussão geral e inclui o caso de Rubens Paiva. Além disso, casos judiciais foram reabertos e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) reformou certidões de óbito de 404 desaparecidos políticos.

CNJ retificou 20 certidões, com 404 novos documentos descrevendo as mortes como “não naturais e violentas” por ação do Estado durante a ditadura de 1964, informa o jornal O Estado de S. Paulo. O primeiro documento deveria ter sido entregue à família Paiva em janeiro, mas foi recusado seguindo orientações da CEMDP. Segundo Nilmário Miranda, 82 atestados, incluindo o de Paiva, foram refeitos devido à falta de informações essenciais.

A filha do ex-deputado, Vera Paiva, expressou a esperança por uma certidão que reflita a verdade, mencionando a pressa em repetir a famosa foto de 1996, onde sua mãe, Eunice Paiva, recebe a primeira certidão de óbito de seu pai. As certidões corrigidas devem ser entregues em abril, seguidas pela finalização de documentos até o fim do ano. A comoção gerada pelo filme Ainda Estou Aqui reacendeu discussões sobre a responsabilização por mortos e desaparecidos da ditadura, fazendo com que quatro casos emblemáticos, incluindo o de Rubens Paiva, ganhassem nova atenção na Justiça.

A ação no STF contra militares reformados do Exército envolvidos na morte de Paiva, relatada pelo ministro Alexandre de Moraes desde março de 2021, avançou apenas em novembro do ano passado, após o impacto do filme de Walter Salles no Festival de Veneza. O STF reconheceu o caso Paiva como de repercussão geral, aplicando os efeitos dos votos a todos os casos similares, não apenas aos réus, o general José Antônio Nogueira Belham e o major Jacy Ochsendorf e Souza.

O tenente-coronel Rubens Paim Sampaio, o primeiro-tenente Jurandyr Ochsendorf e Souza e o coronel Raymundo Ronaldo Campos foram denunciados, com o major Jacy Ochsendorf recebendo R$ 23,4 mil e Belham R$ 35,9 mil em salários brutos. As pensões dos familiares dos réus falecidos totalizam R$ 80 mil mensais, resultando em um custo total de R$ 140,2 mil, somando salários e pensões relacionados ao assassinato de Rubens Paiva.

Suprema Corte decidirá se a Lei da Anistia pode ser aplicada em casos de grave violação de direitos humanos, como no caso de Paiva sobre homicídio e fraude processual e em outra ação relatada pelo ministro Flávio Dino sobre a ocultação dos cadáveres da Guerrilha do Araguaia. O STF reconheceu a repercussão geral no processo, que considera a ocultação de cadáver um crime permanente, válido até hoje, mesmo após a anistia de 1979.

O caso relatado por Dino, protocolado em junho de 2024, teve um andamento mais rápido, com o parecer da PGR recebido em julho e um despacho favorável à repercussão geral emitido em dezembro, reconhecido pelos ministros em fevereiro. Dino destacou o impacto do filme Ainda Estou Aqui, conectando a história do desaparecimento de Rubens Paiva à dor dos familiares de pessoas desaparecidas.

O caso Rubens Paiva, uma história insepulta da ditadura, começou em 20 de janeiro de 1971, no Rio, e foi registrado em tribunais, livros, jornais e documentos secretos da diplomacia americana antes de ser abordado na dramaturgia.

No dia 2 de fevereiro de 1971, o jornal The New York Times publicou um relato da jovem Eliana Paiva, filha de um ex-deputado, que dizia: “Não sei onde estão meus pais, e os quero de volta”. A reportagem de Joseph Novitski mencionava que, 11 dias antes, Eliana havia testemunhado seu pai ser raptado em casa por agentes do regime militar, e que no dia seguinte, ela e sua mãe, Eunice Paiva, também foram sequestradas.

Eliana foi liberada um dia após a prisão da mãe, que ainda permaneceria em detenção por alguns dias. Em uma carta endereçada a deputados opositores, Novitski comentou as “táticas extremas” das forças policiais contra a oposição e estranhou que a ditadura, que censurava a imprensa, permitisse a cobertura do caso. A estratégia parecia ser uma farsa para justificar o assassinato de Paiva, alegando que ele havia sido sequestrado por guerrilheiros.

A fuga de Paiva foi encenada com um tiroteio forjado, revelado por militares que confessaram a farsa após 40 anos. O objetivo era justificar o seu desaparecimento, ocorrido sob tortura no DOI do 1º Exército. O apelo de Eliana, mencionado no New York Times, está no memorando de John Wallendahl Mowinckel para William Manning Rountree, sugerindo que o governo americano pressione pela punição dos militares. Mowinckel criticou as táticas de segurança brasileiras e destacou que os fatos não poderão ser ocultados.

O destino de Paiva era conhecido, mas os “mágicos” do CIE tentaram enganar a família e o País. Cinquenta anos depois, o filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, atraiu mais de 5 milhões de espectadores. A história de Paiva está vinculada a outros processos no STF sobre desaparecimentos e assassinatos, relatados por Moraes, que ficaram arquivados até serem revisitados pelo impacto do filme e pelo debate público gerado.

A ação contra o médico legista Harry Shibata o acusa de assinar laudos necroscópicos falsos de presos políticos assassinados pela ditadura para encobrir torturas e homicídios. A denúncia destaca que ele “omitiu informações” para alterar a verdade. O caso está no STF desde 2017, mas somente em outubro de 2024, após o lançamento de Ainda Estou AquiMoraes solicitou à PGR um parecer. Em fevereiro deste ano, a Corte decidiu que o processo seguirá em regime de repercussão geral.

O caso dos militares Valter JacarandaLuiz Mario LimaRoberto Estrada e Dulene Garcez dos Reis, acusados de sequestrar, torturar e matar o jornalista Mário Alves de Souza Vieira em 17 de janeiro de 1970, foi relatado por Moraes e autuado no STF em 2015, distribuído ao ministro Teori Zavascki. Redistribuído para Moraes em março de 2017, o caso teve movimento apenas em outubro de 2024 com um pedido de parecer da PGR, e teve status de repercussão geral reconhecida em fevereiro deste ano.

Fonte: Urbs Magna

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