Sem reajustes nas bolsas de pesquisas, pós-graduandos enfrentam dificuldades para manter estudos
Diante da escassez de investimentos em ciência e tecnologia no Brasil, a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) elaborou abaixo-assinado com mais de 51 mil assinaturas pedindo reajuste no valor das bolsas de pós-graduação. O documento foi entregue ao presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Evaldo Vilela, que se comprometeu a levar a reivindicação ao Congresso Nacional.
O Brasil possui, segundo a Unesco, 888 pesquisadores por milhão de habitantes. No topo do ranking estão Coreia do Sul, com 7.980, Nova Zelândia, com 5.578, e Alemanha, com 5.212 pesquisadores por milhão de habitantes. Esses dados, que estão no novo relatório de Ciência da Unesco de 2021, mostram como o investimento na ciência não tem sido prioridade.
De acordo com Flávia Calé, presidenta da ANPG, a falta de investimentos em ciência faz com que o país não tenha autonomia tecnológica e seja dependente de outras nações. “O mundo, cada vez mais, se divide entre países que produzem ciência e tecnologia e aqueles que só consomem. O Brasil, deixando de investir em ciência, abre mão de ter autonomia tecnológica. Essa autonomia depende de termos cérebros, ou seja, profissionais altamente especializados e infraestrutura”, afirmou, em entrevista à repórter Larissa Bohrer, da Rádio Brasil Atual.
Reajuste nas bolsas
Sem reajustes nas bolsas de pesquisas para pós-graduandos desde 2013, mestrandos e doutorandos enfrentam inúmeras dificuldades para manter suas pesquisas. É o caso de Daniel Valle, doutorando de Geologia pela USP. Segundo o pós-graduando, que se mudou para a capital paulista com o objetivo de ficar mais perto da universidade, metade do valor mensal da bolsa serve apenas para pagar o aluguel. O restante vai para alimentação e INSS. Os trabalhos extras para complementar a renda, que também não são frequentes, servem para itens de necessidade secundária, como comprar roupas.
“O freelance que eu consigo não é constante. Quando entra esse dinheiro, vai embora tão rápido quanto entra. Optei por morar perto da universidade, o que torna o aluguel mais caro e metade da bolsa é usada nele. Está difícil morar aqui no Brasil e não está valendo a pena fazer pós-graduação no país”, relatou o estudante.
Bolsas de mestrado e de doutorado da Capes ou do CNPq, órgãos ligados ao Ministério da Educação e ao da Ciência e Tecnologia, que custeiam a pesquisa, equivalem hoje a R$ 1.500 e R$ 2.200 ao mês. Desde o último reajuste, em março de 2013, a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) do IBGE acumula 63,47% de alta. Isso significa que, caso as bolsas apenas fossem reajustadas para corrigir a inflação do período, os valores seriam de R$ 2.452,10 para mestrandos e R$ 3.596,41 para doutorandos.
Porém, as agências já anunciaram que o aumento feito pode ser apenas de 20% a 30%. A presidenta da ANPG, explica que embora este valor não seja o ideal, já é um marco importante. “Na semana da nossa paralisação, em outubro do ano passado, algumas agências anunciaram o reajuste. Está aquém do valor ideal, mas é uma medida importante, tirando o valor rebaixado que tínhamos no valor das bolsas”, acrescentou.
Valorização da ciência
Daniel comenta que as pesquisas nunca antes foram tão valorizadas, levando-se em conta a atual situação pandêmica no mundo. E enfatiza que em sua área de ciências naturais as pesquisas são importantes, por exemplo, para serem aplicadas no cotidiano e evitarem os desabamentos ou inundações.
“Todo dia vemos a importância de tomar vacina e ela foi criada a partir de pesquisas. Na minha área de ciências naturais, as pesquisas do meu instituto podem ser aplicadas em outras ocasiões, como para evitar as enchentes na Bahia. A pesquisa é importante e precisa estar casada com a gestão pública, o que não tem sido feito”, explicou.
Para Calé, as eleições gerais deste ano são fundamentais para que haja uma recolocação da ciência como protagonista no Brasil. “A eleição é oportunidade de discutirmos um projeto. É preciso reconstruir o país com a ciência ao centro. No Chile, o candidato vencedor colocou essa questão na centralidade de seu projeto, o mesmo foi feito nos Estados Unidos e em outros países. O Brasil não pode se afastar dessa realidade e essas eleições precisam ser a construção de uma nova rota.”
Fonte: Rede Brasil Atual