Twilight, o título original em inglês da série de livros best sellers, é muito mais significativo que sua tradução para o português. O termo twilight é uma referência a um instante entre a luz e a escuridão em que tudo está indefinido e, portanto, tudo pode acontecer num universo bizarro e efetivamente alternativo.
A história do livro é uma metáfora da forma que ele foi elaborado, pois a autora resolveu por mantê-lo na mesma zona que o encontrou: num sonho.
Formada em literatura inglesa pela Universidade Brigham Young em Provo, Utah.
Não posso deixar de inferir que a estudante de Provo não tenha tido contato com o movimento Provos (provokations) da contracultura na Holanda dos anos 1960. O radicalismo desse movimento incendiou a mente de jovens no mundo todo e Stephenie não deve ter sido imunizada por ele quando estudava literatura. Esse radicalismo denunciava do modo mais subversivo o capitalismo forâneo (em que aquele que esculhamba o sistema colhe os melhores frutos) de então. A Holanda vivia sob o regimento de uma aristocracia que havia admirado o empoderamento nazista que atingira em cheio boa parte da Europa. Tinha patrocinado o casamento de uma de suas princesas com um arrematado oficial nazista alemão.
A teia referencial que essa autora âncora todos os romances é extremamente complexa e adequada. Comecemos pelo primeiro e insuspeito pilar das histórias. O médico Carlisle é claramente inspirado no Fausto de Goethe, mas pela via indireta do livro Tudo que é sólido desmancha no ar (uma dialética do desenvolvimento) de Marshall Berman.
O pacto feito com demônio em nome do bem também inspirou as atitudes do médico em relação aos seus adotados, isso lhe tras uma perpétua melancolia e orienta a sua atividade altruísta na pequena cidade. Todavia pela veia marxista de Berman, o Fausto aparece como gerador do desenvolvimento (des-envolvimento) com todas as contradições que o termo carrega. Outros três elementos serão resgatados ampliando a teia referencial: o primeiro é o livro The Vampire, escrito em 1819 por John William Polidori, que fazia parte do grupo de escritores reunidos no castelo de Lord Byron (Mary Shelley, Claire Clairmont, Percy Shelley) o resultado dessa experiência foi o livro de Mary Shelley, Frankenstein e o livro de Polidori. Em ambos os casos o pior aspecto dessa aristocracia romântica resultou na apropriação do livro Frankenstein por Percy Shelley e o Vampiro por Lord Byron, que resultaria no suicídio de Polidori.
O segundo elemento que marcará preferencialmente o segundo livro da saga, a autora foi buscar no conceito jurídico do Homo Sacer. Um dos autores que melhor trabalhou esse conceito foi Giorgio Agamben. Essa lei consuetudinária (tradição) também nos ajuda a entender o aparecimento das histórias de lobisomem. O homem sagrado (homo sacer) é aquele que comete um crime contra a comunidade e é exilado, passando a viver na floresta. Sua natureza sagrada se refere a sua condição peculiar de ao ser expulso nunca mais voltar ao convívio dos homens, mas se assim o fizer poderá ser morto sem que seu assassino incorra em crime. Então ele se torna um híbrido, um sem paz que ao invadir o território da comunidade se transforma em fera (lobo) e ao retornar para a floresta se transforma em homem.
Três casos notórios merecem ser apresentados aqui:
No folclore turco, os xamãs se transformam num lobo humanoide durante longos e árduos rituais de cura.
Os outros dois são o do alemão Peter Stumpp, o Lobisomem de Bedburg, executado em 1589, e o de Hans, o Lobisomem, levado a júri em 1651, na Estônia.
O terceiro elemento pode ser encontrado no livro Malleus Maleficarum ou Martelo das Feiticeiras que destrói as bruxas e a sua heresia, como uma espada de dois gumes. O Martelo das Feiticeiras é um livro, ou manual inquisitorial, publicado em 1486 pelos dominicanos Heinrich Kraemer e James Sprenger, na Alemanha, em cumprimento à bula papal Summis Desiderantis Affectibus de Inocêncio VIII sobre um manual de combate aos praticantes de heresias e que tornou-se o guia dos inquisidores pelo restante do século XV e seguintes; embora no período existam outros manuais, este é o mais consagrado pela historiografia.
Efetivamente ele visava o poder das mulheres sagradas nas aldeias em que geralmente representavam um papel de elo na sua função de cura, linhagem e sentido. Não se sabe quantas mulheres foram consumidas pelo fogo para que a modernidade fizesse nascer o indivíduo e centralizasse o poder no homem.
Nossa autora apresenta em cascata nos três primeiros volumes da saga crepúsculo essas três figuras metafóricas presentes na ordem social do seu tempo. No primeiro volume a família de vampiros são apresentadas como aristocratas elegantes e fleumáticos, causando admiração e inveja. No segundo volume a tribo dos quileuts é melhor investigada, são os que vivem a margem dessa sociedade, são os excluídos.
O terceiro elemento, as feiticeiras aparecem incidentalmente no segundo filme, com mais incidência no terceiro e no quarto sua evidência é maior, mas em todos eles seu papel é secundário.
O Fausto aristocrático da saga, o médico Carlisle, pela peculiar visão do personagem principal da saga, Edward, encontra no Sol da Meia Noite toda danação de ter gerado filhos aristocráticos. Cada um deles lamenta do seu próprio jeito a herança recebida. Na luta de classes da autora ser rico é tão insuportável quanto a eternidade.
Os romances traduzem uma sociedade desigual pela metáfora das transformações, embora até que toda saga se encerre, o papel teórico que embasa nossa autora não fique explicitado. Isso só vai ficar evidente com a publicação do livro Sol da Meia Noite, porque ali a sua veia marxista escancara as contradições dos vampiros, a subalternidade dos lobos e a inferioridade das mulheres.
É a glorificação da luta de classes, o motor da história de Karl Max.
*Eduardo Bonzatto é professor da Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) escritor e compositor
Fonte: Pragmatismo Político