Com descontos de até 90%, governo beneficia grandes fazendeiros e causa prejuízo bilionário aos cofres públicos, enquanto reforma agrária é abandonada em SP

O governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos), em São Paulo, tem executado uma política imoral de regularização fundiária no Pontal do Paranapanema que, na prática, legaliza a grilagem de terras públicas. Sob o argumento de promover segurança jurídica e evitar custos com indenizações judiciais, o Governo paulista consolida uma reforma agrária às avessas — uma espécie de “Bolsa-Latifúndio” — ao conceder até 90% de desconto para a compra de terras devolutas por grandes proprietários rurais e empresas que ocupam essas áreas há décadas.

Estima-se que a área total envolvida na “regularização” atinja cerca de 600 mil hectares — o equivalente a quatro vezes a área da cidade de São Paulo. O custo dessa política aos cofres públicos pode ultrapassar R$ 18 bilhões, de acordo com estimativas técnicas feitas com base nos valores de mercado das terras. Porém, os compradores pagarão frações desse valor, em alguns casos menos de 10%.

De acordo com a coluna de Adriana Ferraz, no UOL, as terras, utilizadas principalmente para criação de gado, cultivo de soja e cana, além da produção de etanol, passaram a ser oferecidas por valores reduzidos desde o início da gestão de Tarcísio, em 2023.

Segundo levantamento realizado pelo portal UOL a partir dos valores mínimos estimados no Mapa de Terras 2023 elaborado pelo INCRA, a área em negociação corresponde a 2,5% do território estadual — quatro vezes o tamanho da cidade de São Paulo.

A medida tem gerado forte reação de movimentos do campo, especialistas em questão agrária e parlamentares de oposição, que denunciam a legalização da grilagem de terras públicas, historicamente destinadas à reforma agrária ou à proteção ambiental. “Uma das maiores doações de terras da história do Brasil”, critica a deputada estadual Mônica Seixas (PSOL). Segundo Mônica, “o governador Tarcísio de Freitas está aplicando mais uma etapa do seu PL da Grilagem, ou lei dos Desmatadores, que ele chama de Lei de Regularização Fundiária”. “Serão mais de um milhão de quilômetros de terras públicas entregues sem nenhuma transparência ou participação popular”, denuncia. 

Ela ressalta que essas áreas deveriam ser destinadas à reforma agrária e ao cumprimento da função social da terra, como prevê a Constituição. “A Constituição brasileira diz que terras públicas, terras devolutas devem servir primeiro para a reforma agrária e segundo para cumprir uma função social”, reforça a deputada. “Tarcísio destrói a lei de Reforma Agrária do Estado de SP e quer entregar para desmatadores”, aponta. “Repito: gente pobre não vai ganhar terra do Tarcísio, só fazendeiro, latifundiário do boi e da cana”, afirma categoricamente. 

ANISTIA À GRILAGEM

O Pontal do Paranapanema é uma das regiões com maior concentração de conflitos agrários no estado de São Paulo. As terras públicas ocupadas por grandes fazendeiros ao longo das décadas deveriam, por lei, ser destinadas à reforma agrária. No entanto, sob a gestão de Tarcísio, essas áreas estão sendo “legalizadas” com benefícios escandalosos aos grileiros históricos, transformando crimes fundiários em negócios altamente lucrativos.

O governador argumenta que os descontos são uma forma de “resolver litígios antigos” e “evitar indenizações bilionárias”. Mas o que se vê é uma verdadeira anistia à grilagem, transformando em banquete milionário para grileiros aquilo que deveria ser tratado como crime contra o patrimônio público.

A prática segue uma lógica perversa: quem ocupou a terra pública ilegalmente por tempo suficiente, agora tem o direito de comprá-la quase de graça. O que era crime se converte em posse legalizada — e com incentivo fiscal.

Relatórios da oposição na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) apontam que a regularização beneficia principalmente grandes fazendeiros, muitos dos quais apoiadores políticos do atual governo. Há também denúncias de que algumas dessas propriedades foram fracionadas entre familiares para burlar limites estabelecidos por lei, mantendo o controle sob diferentes CPFs.

Em alguns casos divulgados, propriedades avaliadas em R$ 6 milhões foram regularizadas com pagamento de menos de R$ 1 milhão ao Estado. O prejuízo aos cofres públicos não se limita à arrecadação direta: com a perda dessas terras, o Estado deixa de poder destiná-las a políticas públicas como reforma agrária, moradia rural e preservação ambiental.

Os valores praticados na regularização revelam um enorme prejuízo aos cofres públicos. Os descontos concedidos incidem sobre os preços estabelecidos pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA-Apta), que são significativamente inferiores aos valores mais altos fixados pelo Incra. Desde o início do programa, a arrecadação do governo ficou muito aquém do valor de mercado: foram recolhidos R$ 187 milhões pela venda de 73 mil hectares, enquanto o preço real do hectare no mercado alcança R$ 33,4 mil — mais de 12 vezes acima do valor efetivamente pago pelas terras regularizadas.

Além disso, a falta de transparência no processo de avaliação dos imóveis rurais levanta suspeitas. Os valores usados para calcular os descontos têm sido considerados muito abaixo dos preços de mercado, o que acentua ainda mais o caráter de favorecimento aos grandes proprietários.

A legalização da grilagem no Pontal também tem implicações ambientais. Muitas dessas terras ficam próximas a áreas de proteção e reservas ambientais, e sua ocupação predatória, muitas vezes voltada à monocultura ou à criação extensiva de gado, compromete a biodiversidade local. O Cerrado e os remanescentes da Mata Atlântica no estado estão entre os biomas mais ameaçados por esse tipo de ocupação.

Enquanto isso, centenas de famílias sem-terra seguem à espera de assentamentos. Apesar da grande demanda social e da disposição de trabalhadores rurais para produzir alimentos saudáveis e sustentar a agricultura familiar, o governo de São Paulo praticamente abandonou os programas de reforma agrária. Na prática, substituiu uma política de justiça fundiária por um programa de entrega de patrimônio público aos grandes do agro.

O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE) já cobrou explicações sobre a concessão dos descontos e a metodologia usada na avaliação das propriedades. Mas até agora, o governo estadual não apresentou dados suficientes que justifiquem tamanha generosidade com aqueles que se apropriaram de terras públicas.

REGIÃO DE CONFLITO

A situação é ainda mais grave considerando o histórico da região. O Pontal do Paranapanema é um dos maiores símbolos da luta por reforma agrária no estado de São Paulo. Por décadas, movimentos camponeses denunciaram a grilagem sistemática e a expulsão de comunidades rurais para dar lugar a fazendas de gado e monoculturas voltadas à exportação.

Ao portal Brasil de Fato, Gilmar Mauro, dirigente nacional do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais SemTerra), afirmou que “o projeto representa uma entrega do patrimônio público para alguns latifundiários, puxas-sacos, financiadores da campanha do governador”. Ele ressalta que, em vez de premiar a destruição, o estado deveria investir em reflorestamento e em assentamentos cooperativos, que geram empregos e produzem alimentos saudáveis.

Nos últimos anos, enquanto o governo federal travou a política de assentamentos, os governos estaduais alinhados ao bolsonarismo têm acelerado a legalização da grilagem. Tarcísio, vinculado à pauta ruralista, se tornou um dos principais expoentes desse crime no Estado de São Paulo.

A entrega de títulos com desconto foi celebrada por representantes do agronegócio, que falam em “segurança jurídica” e “incentivo à produção”. Mas, para os trabalhadores do campo, significa o aprofundamento da desigualdade, da concentração fundiária e da injustiça social.

O ministro do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, Paulo Teixeira, disse que existe uma demanda imensa por assentamentos no Pontal do Paranapanema e que a Constituição determina a realização da reforma agrária em terras devolutas.” É uma atribuição dos estados também, não só da União. O governo de São Paulo deveria atender às exigências constitucionais”, afirma Teixeira

Por fim, enquanto o governador tenta apresentar a proposta como uma “modernização”, opositores enfatizam que ela apenas intensifica a concentração fundiária, aprofunda a desigualdade e entrega terras públicas do povo paulista a preço de banana. Como destaca a deputada do PSOL, “benefício, terra, bem público: só para quem já tem muito dinheiro. Para pobre, o governador Tarcísio vem aplicando a política do Estado zero”.

Fonte: Hora do Povo

Deixe uma resposta