Polícia Federal reteve internacionalista Thiago Ávila por cerca de uma hora e fez interrogatório sobre detalhes de sua viagem, como locais de visita, nomes, contatos e endereços de vítimas dos bombardeios
O ativista brasileiro pela causa palestina Thiago Ávila foi detido sem maiores explicações pela Polícia Federal (PF), na manhã deste sábado (23/10), no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, enquanto regressava de uma viagem ao Líbano, país alvo de bombardeios de Israel, além da Faixa de Gaza.
Ávila, que também é internacionalista e uma das principais vozes no Brasil contra o genocídio perpetrado pelo governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu no enclave palestino, foi detido pela PF para prestar esclarecimentos sobre sua viagem ao Oriente Médio, que começou no último domingo (17/11).
O ativista viajou à região em conflito, segundo registros gravados em suas redes sociais, com o objetivo de mobilizar solidariedade à Gaza e ao Líbano, além de reunir e espalhar informações contra-hegemônicas.
Nos vídeos gravados na capital Beirute, Ávila reportou drones e aviões caça de Tel Aviv no espaço aéreo do país. “O lugar que jantamos ontem já não existe mais. A principal pessoa que eu iria entrevistar hoje foi assassinada. Estamos falando de uma situação muito crítica. Tudo aqui é critico”, declarou.
O comunicador denunciou “o projeto racista e supremacista que é o sionismo que comete genocídio e limpeza étnica” contra os povos da região.
“É muito difícil lidar com a situação. A escalada de violência gera milhares de mortos, as violações de direitos humanos são terríveis, bombardeiam hospitais, atacam civis de todas as formas, usam armas e bombas proibidas, que causam falência de órgãos”, explicou ao andar sobre os escombros na capital libanesa.
Em abril passado, Ávila viajou para a região com a Flotilha da Liberdade, embarcações que saíram de Istambul, na Turquia, com 5.500 toneladas de ajuda humanitária para a população palestina em Gaza, mas que foram repetidamente atrasada por bloqueios administrativos de Israel e seus aliados, como Alemanha e Estados Unidos.
Leia na íntegra a entrevista de Thiago Ávila com Opera Mundi
Opera Mundi: Você pode contar sobre sua viagem ao Líbano? Com quais objetivos você viajou até a região de conflito e quanto tempo durou sua passagem por lá?
Thiago Ávila: Durante a última semana estive no Líbano documentando as violações cometidas por Israel contra o povo libanês. Estive nas regiões de Beirute mais afetadas com os bombardeios, nos campos de refugiados, nos abrigos estabelecidos nos últimos dois meses, presenciei bombardeios e violações que desejo que as pessoas nunca precisem ver (mas que é importante que saibam que existe). Viajei com essa missão de mobilizar a solidariedade da comunidade brasileira com o povo libanês, mostrando a realidade do que está acontecendo.
Quais os principais destaques e acontecimentos da sua viagem?
Todo momento em uma situação de ataque e bombardeio é marcante. Porém o desespero das famílias após perderem parentes, a constante vigilância dos drones sobre nós sem sabermos se vão jogar uma bomba a qualquer momento, a situação de pessoas que escaparam com vida e chegam nos abrigos sem ter mais para onde voltar e a situação de palestinos nos campos de refugiados precarizados e com poucos direitos sociais foram o que mais me marcou durante essa viagem.
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Agora falando especificamente sobre sua detenção pela PF no aeroporto de Guarulhos. Pode detalhar como ocorreu?
A situação com a Polícia Federal na minha chegada ao Brasil, infelizmente, não é algo incomum. Nos últimos 400 dias, praticamente toda viagem internacional que fiz alguma autoridade migratória me reteve para interrogatório aprofundado, normalmente diretamente ligado a questões da causa palestina e tentando obter informações ou me intimidar. No entanto, essa preocupa por ser a primeira vez que ocorreu em território brasileiro, em um contexto de outras perseguições que ativistas e figuras de destaque pró-Palestina tem sofrido no Brasil.
Meu voo chegou antes de 5 horas da manhã em Guarulhos e, quando fui passar na imigração, meu passaporte foi o único que não funcionou na máquina de leitura eletrônica. Fui levado a um guichê para registro manual mas, quando cheguei lá, não me fizeram nenhuma pergunta e agentes da Polícia Federal me conduziram a uma salinha onde começaram a fazer um interrogatório.
Quais foram as explicações que a PF deu para te deter naquele momento?
Não foi dada nenhuma justificativa. Disseram que se tratava de um procedimento “aleatório”. Isso me causou estranheza, pois, mesmo sem ninguém ter sequer perguntado meu nome em momento algum, os agentes me chamavam pelo nome desde o início da abordagem. Sabemos que aeroportos internacionais possuem práticas de segurança que muitas vezes abordam pessoas, mas esse tipo de situação tem acontecido com muita frequência comigo em aeroportos pelo mundo, sempre muito direcionado à questão Palestina.
Após quanto tempo e como você conseguiu sair da detenção da PF?
Eu não consigo saber exatamente quanto tempo passou, mas acredito que foi algo em torno de uma hora. Eu insistia que tinha um voo para casa em Brasília e que não queria perdê-lo. Os agentes pediam informações detalhadas sobre locais no Líbano que eu tinha visitado, se eu tinha presenciado bombardeios, se tinha tido contato com vítimas, familiares de vítimas, pedindo nomes e endereços. Me recusei a passar essas informações, pois Israel está assassinando as pessoas todos os dias em todo o Líbano e não aceitaria colocar ninguém mais em risco.
Quando os agentes insistiam nas perguntas, eu insistia que era cidadão brasileiro, que tinha meus direitos políticos, que tudo que eu estava disposto a compartilhar estava publicamente em minhas redes sociais. Quando insistiam de forma mais veemente, respondia que lamentava que a Polícia Federal, com tantas coisas graves (como bolsonaristas e seus planos de assassinar o presidente Lula) ainda dedicavam tempo a constranger e tentar intimidar internacionalistas e defensores da causa palestina. Insisti que, a não ser que eles tivessem alguma suspeita de ilícita e fossem me autuar por algo, deveriam me liberar para pegar meu voo e, enfim, me liberaram.
Quando voltei à área pública do aeroporto, seguidoras minhas que estavam no mesmo voo que eu e acompanharam a situação me falaram que outros agentes estavam naquele salão falando uns com os outros que o “Thiago chegou” quando eu entrei na fila do passaporte eletrônico.
Acredita que a PF está aplicando uma política contrária a pessoas ligadas à causa Palestina, enquanto não tem aplicado o mesmo a israelenses? Lembramos o caso do palestino deportado no mesmo aeroporto em junho passado.
A situação que passei hoje nem se compara com outras violações muito mais graves que eu mesmo já passei, mas acredito que é parte do mesmo contexto de perseguição que jornalistas como Breno Altman sofrem com o lawfare sionista, que acadêmicos como Reginaldo Nasser e Bruno Huberman sofrem na PUC, que 5 estudantes da USP sofrem da reitoria, que a diplomata Claudia Assaf sofre pelos lobistas sionistas e tantos outros casos de perseguição.
Nada disso deve nos intimidar, ao contrário. Devem reforçar em nós o desejo de mobilizar mais e mais para que se detenha o genocídio e que o Brasil também fique livre da influência do sionismo. O fundamental é não esquecermos a verdadeira prioridade: que o mundo se levante contra o que Israel está fazendo na Palestina, no Líbano e tenta fazer em todas as partes do mundo em seu projeto de dominação. Hoje foi um incidente de pequena relevância em comparação com a barbárie cometida nos últimos 414 dias pela entidade sionista.
PF já deportou palestino no Aeroporto de Guarulhos
Em outras ocasiões, a PF também agiu com política restritivas a pessoas ligadas à causa ou à própria Palestina, como recordou Ávila.
Em junho passado, Muslim M. A. Abuumar Rajaa, de 37 anos, que atua como professor universitário e diretor do Centro de Pesquisa e Diálogo da Ásia e do Oriente Médio (OMEC), desembarcou em São Paulo por meio do Aeroporto de Guarulhos. No entanto, foi surpreendido pela Polícia Federal quando foi questionado sobre sua opinião relativa ao genocídio de Israel promovido na Faixa de Gaza e a resistência palestina.
Muslim tinha acabado de renovar seu visto na Embaixada do Brasil na Malásia para ficar três meses no território brasileiro e não possuía irregularidades na documentação. Contudo, acusaram-no de fazer parte da resistência palestina e cooperar especialmente com o Hamas, retendo-o por três dias no aeroporto.
Conforme apuração de Opera Mundi, as ordens de detenção executadas pela autoridade policial haviam partido diretamente da chefia de Inteligência da Polícia Federal, em Brasília, que possui laços com o Instituto para Operações Especiais e de Inteligência de Israel (Mossad).
Posteriormente, a Justiça Federal de São Paulo autorizou a repatriação de Muslim. Assim, ele sua esposa grávida de sete meses, seu filho de seis anos e sua sogra, de 69, foram obrigados a embarcar num voo do mesmo dia às 20h15 em direção a Doha, capital do Catar. Após a escala, a família retornou à Malásia, de onde partiram anteriormente.
Na decisão, a juíza plantonista Millena Marjorie Fonseca da Cunha considerou que as informações prestadas pela PF para impedir a entrada do palestino tinham “fundamentação legal”. A magistrada afirmou não haver “nada que permita concluir que autoridade impetrada teria agido ‘por motivo de raça, religião, nacionalidade, pertinência a grupo social ou opinião política”.
“Decisão judicial entendeu legítimos os motivos de impedimento, conforme acordos e convenções internacionais, e autorizou repatriar”, confirmou a PF em nota, apesar das perguntas feitas a Muslim serem evidentemente de motivação política.
Após o entendimento da magistrada, a defesa de Muslim informou a Opera Mundi ter juntado um pedido de reconsideração, mas revelou que a juíza se recusou a analisá-lo em plantão judicial. Também foi enviado um agravo de instrumento ao tribunal competente. No entanto, o desembargador “só analisou o pedido liminar às 23h10”, horas após Muslim e sua família terem embarcado no voo em direção ao Catar.
Fonte: Ópera Mundi