Estudo do Observatório Nacional da Violência contra Educadores traça cenário de desvalorização e violência enfrentados por docentes em instituições públicas e privadas no país

Um longo estudo produzido pelo Observatório Nacional da Violência contra Educadoras/es (ONVE), ligado à Universidade Federal Fluminense (UFF), mostra que a censura e a perseguição a educadores se tornaram cotidianas nas salas de aula de escolas brasileiras públicas e privadas a partir da década de 2010.

O levantamento, realizado entre maio e setembro de 2024, ouviu 3 mil profissionais da educação de todas as regiões do país, e mapeou o cenário por região: os resultados indicam que ao menos 90% dos educadores relataram contato direto ou indireto com situações de censura. Entre aqueles que foram vítimas de ataques: 58% relatam tentativas de intimidação, 41% afirmam ter sido alvo de questionamentos agressivos sobre métodos de ensino e 35% tiveram conteúdos explicitamente proibidos. O estudo também identificou casos de insultos, remoções forçadas de local de trabalho e, em 10% dos episódios, agressões físicas.https://f35f60d81618471ce5a2179699279728.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-45/html/container.html?n=0

Os pesquisadores apontam que essas práticas configuram “violência contra educadores”, por serem persistentes, direcionadas à atuação profissional e acompanhadas de métodos agressivos e constrangedores. Ainda que atinjam outros profissionais, esses episódios impactam coletivamente a categoria. Prova disso é que 52% dos profissionais que apenas testemunharam ou ouviram falar de casos afirmam ter sido afetados na vida pessoal ou profissional, desenvolvendo medo, insegurança e autocensura.

Saltos de ocorrências em anos eleitorais

A perseguição a docentes cresceu de forma contínua ao longo dos anos 2010, com saltos expressivos em 2014, 2018 e 2022. Os picos coincidem com momentos de maior polarização e radicalização política no país, como a ascensão do discurso da “Escola sem Partido”, promovida por bolsonaristas, e as eleições presidenciais com Jair Bolsonaro marcadas pela disseminação de desinformação. Para os pesquisadores, há correlação entre ciclos eleitorais e a intensificação de ataques às liberdades de ensinar e aprender

Outro dado que chama atenção é a origem das agressões. Diferentemente da narrativa que aponta para agentes externos, a pesquisa mostra que a violência parte principalmente de atores internos às escolas. Profissionais das equipes pedagógicas aparecem como principais agentes, citados em 57% dos casos, seguidos por familiares de estudantes (44%), alunos (34%) e outros professores (27%).

Os impactos emocionais e profissionais são profundos. Entre os educadores diretamente atingidos, 76% afirmaram que o episódio afetou de maneira significativa sua vida pessoal e sua trajetória no trabalho. Muitos relataram ter retirado temas obrigatórios de suas aulas, reduzido atividades públicas ou evitado debates para não se tornarem alvo de hostilidade. 

Professores relatam maior pressão ao abordar temas como política, gênero e sexualidade, direitos humanos, racismo, desigualdades sociais e questões ambientais. De acordo com o estudo, movimentos ultraconservadores conseguiram transformar conteúdos previstos nos currículos em assuntos “controversos”. Dizem os pesquisadores:

“Alta incidência de intimidação e questionamentos aos educadores que seguem as diretrizes que regem seu ofício e os abordam em seu cotidiano pedagógico […] literatura acadêmica sobre o cenário educacional e político brasileiro é consensual na análise de que movimentos extremistas utilizaram a educação como plataforma para conquista de atenção e capital político. Diferentemente de outros ataques efeitos ao campo educacional, a censura que abordamos aqui surge de movimentos que disputam a escola por dentro, buscando incidir sobre o cotidiano escolar com sua visão de mundo conspiratória, prejudicando a convivialidade nas comunidades educativas e diminuindo a densidade democrática desses espaços. Tais situações prejudicam não só a liberdade de ensinar, mas também a liberdade de aprender dos estudantes, cujo direito à educação é cerceado”

Alternativas para proteger docentes e reconstruir debates nas escolas

Um conjunto de recomendações político-pedagógicas, jurídicas e de políticas públicas são sugeridas pelo estudo, que propõe um novo marco de proteção aos educadores no Brasil.  

O estudo aponta que qualquer política voltada à dignidade docente deve começar por condições reais de trabalho. A precarização da infraestrutura educacional, afirma o documento, afeta toda a comunidade escolar e contribui para o aumento da violência. Defende-se salários justos, infraestrutura adequada e reconhecimento da relevância social da profissão.

Outro eixo defendido é a consolidação da gestão democrática das escolas, com eleição direta das equipes gestoras, fortalecimento de conselhos escolares, grêmios estudantis e associações de pais e ex-alunos. A participação da comunidade escolar deve ter caráter deliberativo, com apoio material e formação específica.

O texto reforça que professores das redes pública e privada devem ser reconhecidos como defensores de direitos humanos, conforme previsto na Constituição de 1988 e na legislação educacional. Segundo o documento, o exercício profissional voltado ao combate às discriminações e à promoção da democracia não pode se tornar motivo de ataques.

Por isso, empregadores, tanto governos quanto instituições privadas, devem assegurar proteção jurídica aos docentes que cumpram as diretrizes curriculares. Protocolos internos precisam ser atualizados para enfrentar a crescente hostilidade contra temas previstos em lei.  Sindicatos também são chamados a atuar como espaços de acolhimento e defesa trabalhista para profissionais alvo de perseguição.

Entre as medidas propostas está a criação de um fluxo específico no Disque Direitos Humanos (Disque 100) para denúncias de violência contra educadores. O estudo também recomenda incluir a categoria formalmente no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, ampliando a rede de proteção a casos de ameaça e perseguição. Outra medida é o estabelecimento de protocolos preventivos nas ouvidorias e controladorias para evitar o uso abusivo de canais de denúncia por grupos extremistas, prática que tem sido utilizada para intimidar professores.

O texto alerta para o uso indevido de sindicâncias e Processos Administrativos Disciplinares (PADs) como ferramentas de perseguição. Secretarias de educação devem seguir estritamente a legalidade, evitando abertura indiscriminada de investigações que, mesmo quando arquivadas, causam adoecimento e prejuízos profissionais.

Defende-se a implementação plena da Lei 13.935/2019, que garante psicólogos e assistentes sociais na educação básica. Também propõe a criação de Núcleos de Acompanhamento Psicossocial (NAPS) alinhados ao projeto pedagógico das escolas e espaços permanentes de acolhimento e escuta para professores e estudantes.

Ainda segundo o estudo, o poder público precisa combater ativamente o silenciamento promovido por movimentos extremistas que atacam conteúdos ligados a gênero, sexualidade, equidade racial e direitos humanos. O documento cita decisões recentes do Supremo Tribunal Federal e diretrizes do MEC como caminhos para sustentar políticas educacionais que promovam igualdade e combate à discriminação.

Confira o relatório completo abaixo:

https://revistaforum.com.br/brasil/2025/11/16/em-cada-10-professores-souberam-ou-vivenciaram-casos-de-censura-ou-perseguio-no-brasil-192209.html

Fonte: Revista Fórum

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