Auditores encontraram operários do Norte e Nordeste vivendo em alojamentos precários, submetidos a jornadas exaustivas e a um sistema ilegal de pagamento.

Em uma das maiores ações de combate ao trabalho escravo de 2025, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o Ministério Público do Trabalho (MPT) resgataram ao menos 563 trabalhadores de condições análogas à escravidão em um canteiro de obras na zona rural de Porto Alegre do Norte, no Mato Grosso. A operação, que teve início em 20 de julho, revelou um cenário de extrema precariedade nas obras de construção de uma usina de etanol.

Os trabalhadores, recrutados em sua maioria nas regiões Norte e Nordeste do país, viviam em alojamentos superlotados, mal ventilados e sem acesso regular a água potável e energia elétrica. A situação era tão crítica que, segundo as autoridades, um incêndio foi provocado pelos próprios operários em protesto contra as condições degradantes. O fogo atingiu parte dos dormitórios, que mediam apenas 12 m² e abrigavam até quatro pessoas em temperaturas elevadas e sem climatização.

Após o incêndio, parte do grupo foi transferida para casas e hotéis na região, a cerca de 30 quilômetros da obra. No entanto, muitos ainda continuaram em situação insalubre, dormindo em colchões no chão, sem camas, roupas de cama ou espaço adequado para guardar seus pertences. De acordo com o MTE, diversos trabalhadores perderam tudo que tinham no incêndio e alguns chegaram a ser realocados em um ginásio de esportes de uma cidade vizinha.

Servidão por dívida e jornadas exaustivas

A fiscalização também identificou um esquema de aliciamento e servidão por dívida, com indícios de tráfico de pessoas. Diante da dificuldade em contratar mão de obra local, a empresa responsável pelas obras promoveu um recrutamento em massa no Norte e Nordeste por meio de carros de som e mensagens em grupos de WhatsApp. A promessa era de salários altos com muitas horas extras.

Muitos trabalhadores relataram que pagaram intermediários para conseguir a vaga e custearam os próprios gastos com viagem e alimentação. Em alguns casos, a empresa até bancou o transporte, mas descontou integralmente os valores do salário, prática ilegal e abusiva, segundo os auditores.

Outro ponto grave foi a descoberta de um segundo sistema de controle de ponto, apelidado de “ponto 2”, no qual eram registradas horas extras que não apareciam nos registros oficiais. Os pagamentos eram feitos em dinheiro vivo ou cheques, sem anotação em contracheque, sem recolhimento de FGTS ou contribuições ao INSS.

Os trabalhadores relataram jornadas sem folga, inclusive aos domingos, em descumprimento direto à legislação trabalhista. As horas extras prometidas na contratação se mostraram parte de uma falsa promessa de altos rendimentos.

Empresa negocia compensações com o MPT

Diante da gravidade das violações, a empresa responsável pela obra manifestou interesse em firmar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho. Entre as medidas compensatórias previstas estão:

Custeio do retorno dos trabalhadores aos seus estados de origem;

Devolução dos valores descontados indevidamente das viagens;

Pagamento de R$ 1mil por trabalhador como indenização pelos bens perdidos no incêndio.

Além disso, a fiscalização garantiu que todos os direitos trabalhistas serão pagos, incluindo verbas rescisórias, horas extras registradas no “ponto 2”, férias proporcionais, 13º salário, FGTS e demais obrigações legais.

Os trabalhadores resgatados também terão direito ao Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, um benefício especial previsto em lei, pago em três parcelas no valor de um salário mínimo cada. Eles serão ainda encaminhados à rede de Assistência Social, que fará o acolhimento e a inclusão em programas públicos adequados ao perfil de cada um.

O que diz a lei sobre trabalho escravo

Conforme o Código Penal, caracteriza-se trabalho análogo ao de escravo quando há submissão a condições degradantes, jornadas exaustivas, restrição de liberdade por dívida ou trabalhos forçados. O combate a essas práticas é prioridade da fiscalização federal e pode envolver sanções civis, trabalhistas e criminais para os responsáveis.

Como denunciar

Qualquer cidadão pode denunciar casos de trabalho escravo de forma anônima pelo Sistema Ipê, na internet. É importante fornecer o maior número possível de informações, como localização e descrição da situação. A denúncia será analisada por auditores do trabalho, que poderão acionar uma operação para apuração e resgate, caso necessário.

Fonte: Correio do Brasil

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