Pablo Gomes – Jornalista e cineasta

William Burns, diretor da CIA (Agência de Inteligência Americana) esteve no Brasil em julho, numa reunião com membros do governo brasileiro, incluindo General Ramos (Casa Civil) e Augusto Heleno, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional ( GSI). O diretor da CIA também se encontrou com Walter Braga Neto (Ministro da Defesa) e com o presidente Jair Bolsonaro.

A visita inusitada do diretor da CIA gerou uma série de dúvidas e especulações a respeito dos assuntos abordados nas reuniões, que ficou ainda mais nítido com o fato do governo brasileiro também não revelar o que foi discutido com o representante americano.

Enquanto setores da imprensa afirmavam que a presença da CIA no país poderia ser uma possível ponte para o governo Bolsonaro dar um golpe, Jair Bolsonaro deixou escapar parte do conteúdo da conversa com a agência de inteligência, que já foi e é responsável por orquestrar golpes políticos em diversos países do mundo, incluindo o golpe militar no Brasil em 1964.

Para um grupo de apoiadores, Bolsonaro falou que “o interesse do Brasil por [parte de] alguns poucos países é enorme. Alguns países dependem de nós, do que produzimos aqui. E esses países pensam 50, 100 anos à frente. E nós, aqui, infelizmente, quando muito, pensamos poucas semanas ou poucos dias depois”.

Bolsonaro também acrescentou “Não vou dizer que isso foi tratado com ele [Burns], mas a gente analisa na América do Sul como estão as coisas. A Venezuela a gente não aguenta falar mais, mas olha a Argentina. Para onde está indo o Chile? O que aconteceu na Bolívia? Voltou a turma do Evo Morales. E mais ainda: a presidente que estava lá no mandato tampão [Jeanine Añez] está presa, acusada de atos antidemocráticos. Estão sentindo alguma semelhança com o Brasil?”

Antes de ir ao Brasil, William Burns esteve na Colômbia. De acordo com o embaixador colombiano em Washington, Francisco Santos, a ida de Burns para o país “é resultado de três encontros prévios com a CIA para entender ‘o que está acontecendo no país’.

Reagindo ao encontro da CIA com representantes dos governos colombiano e brasileiro, o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro, acusou o governo americano de estar fazendo uma “tour” na América do Sul num “plano contra a Venezuela”. Maduro acrescentou “Eles estão articulando um plano para prejudicar a Venezuela”, disse o presidente em um pronunciamento pela televisão.

A presença da CIA na América do Sul faz parte da pressão de Washington aos países da região para isolar cada vez mais a influência da China. Tal estratégia consiste em sabotar qualquer influência de Pequin ou de Moscou na política e economia de países aliados dos EUA, como é o caso da Colômbia e o Brasil. Um exemplo recente é a guerra tecnológica. A vinda ao Brasil de Jake Sullivan – assessor de segurança de Biden – tem como objetivo vetar a participação da chinesa Huwaei no leilão do 5G.

Não era preciso Bolsonaro deixar escapar o conteúdo da reunião da CIA no Brasil para saber que a visita da CIA à América Latina também estava ligada aos interesses de Washington pela Venezuela. Durante o governo Trump, Washington aproveitou a crise política e a instabilidade econômica no país para tentar dar um golpe e colocar no lugar de Maduro, Juan Guaidó – um representante da direita venezuelana que chegou a ser reconhecido por vários chefes de Estado na Europa como presidente legítimo. Com o fracasso do golpe na Venezuela durante o regime Trump, Washington pretende agora usar o governo Biden para novas investidas. Para isso, conta com o apoio do Brasil e Colômbia, que além de estarem na fronteira da Venezuela, tem florestas e montanhas que podem ser usadas como bases americanas no caso de um conflito armado.

O interesse de Washington também não se limita à Venezuela. Por toda a América Latina, crises políticas e econômicas estão se desencadeando a todo momento e preocupando Washington. Os recentes protestos no Chile, Colômbia, Bolívia, Brasil, Argentina e Peru, tem levado multidões às ruas contra projetos de privatização, desmatamento e violência policial. Os protestos contra políticas neoliberais são de interesses da burguesia tanto latino americana quanto de Washington.

O fracasso do golpe da extrema direita na Bolívia, as eleições de Alberto Fernandéz na Argentina e de Pedro Castillo no Peru, e a votação de uma nova constituinte no Chile, tem acendido o sinal vermelho em Washington e na administração Biden. Na verdade, não é que Biden tema Maduro, Fernandéz ou Castillo. O que Washington mais teme é que haja uma sucessão de manifestações legítimas da classe trabalhadora, que saiam do controle dos governos e se espalhe como uma onda por toda América Latina. Mesmo nos governos não aliados de Washington, como é o caso da Bolívia e Venezuela, políticas de concessões e conciliação com a burguesia local e internacional tem gerado crises econômicas e políticas que estão levando multidões para as ruas. Washington teme que essa onda de manifestações saiam do controle a qualquer momento.

No Brasil, que tem mais de 500 mil mortos pelo COVID e mais de 14 milhões de desempregados, Bolsonaro ameaça sem nenhum pudor, dar um golpe se não for reeleito nas eleições de 2022. Embora muitos analistas políticos minimizem a aventura de um golpe de estado por Jair Bolsonaro, não é preciso ir longe para ver as recentes tentativas ou sucessões de golpes pelo mundo, na grande maioria, orquestradas pela CIA e a apoiada por Washington. As tentativas de golpe na Venezuela e Bolívia e o golpe neonazista na Ucrânia (neste último caso, apoiado pelo então vice-presidente dos EUA Joe Biden na administração Barack Obama) são exemplos recentes de que um golpe de estado no Brasil não seria algo a ser descartado. A tentativa fracassada de golpe por Donald Trump e a invasão do capitólio em janeiro é prova de que não somente golpes acontecem, mas que mesmo dentro dos EUA eles tem a cumplicidade de ambos partidos norte americanos. Até o momento, Donald Trump ainda não foi processado, julgado e condenado pela tentativa de golpe em janeiro de 2021 e o Partido Democrata tem feito de tudo para evitar que tal processo vá em frente. Da mesma forma, Biden e sua administração não moveriam um dedo para barrar qualquer investida de Jair Bolsonaro e dos militares brasileiros em um golpe no Brasil, sobretudo no atual cenário geopolítico em que Washington revive uma guerra fria com a China e a Rússia.

A crise do capitalismo global não apenas está levando a classe trabalhadora para as ruas da Europa, África, Ásia e América do Norte. A América Latina também verá uma nova onda de protestos e manifestações que intensificará ainda mais as investidas golpistas de Washington e de sua criminosa agência de inteligência contra países na região. Com a desastrosa luta contra a COVID-19 por parte dos governos no mundo inteiro e com o aumento da miséria e da violência nas cidades da América Latina, somente a classe trabalhadora organizada num projeto socialista e internacionalista poderá barrar os futuros ataques de Washington aos países latino americanos e às tentativas de golpes que continuarão acontecendo com a ajuda da famigerada Agência de Inteligência Americana.

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