Com diretoria renovada, Contag luta por recursos adequados para o setor, em um governo voltado ao agronegócio

“Há uma tentativa do governo de não dar visibilidade à agricultura familiar”, diz o presidente da Contag (confederação nacional dos trabalhadores no setor), o pernambucano Aristides Santos. Reeleito no dia 8, no encerramento do 13º congresso da entidade, ele aponta como um dos desafios a recriação de um Plano Safra específico para a agricultura familiar, com mais recursos disponíveis e políticas públicas.

A realização do congresso – o primeiro realizado virtualmente na história da Contag, criada no final de 1963 – já foi um caso à parte. A direção chegou a cogitar o adiamento do evento, devido à pandemia. “Os desafios foram imensos. A cada passo que a gente dava, tinha mais interrogações do que pontos. Mas a nossa análise é de que superamos todos os desafios.”

Chapa unitária

De 2.487 delegados, foram registrados 2.407 votos, 96,78% de quórum. Eles elegeram uma chapa unitária, também construída a distância. Com o desafio de reunir todas as forças políticas e regionais, além de garantir renovação da diretoria (57%) e efetivar cotas mínimas para mulheres e jovens. Devido à pandemia, que impediria o debate presencial, alguns pontos considerados mais polêmicos foram deixados de fora do documento apresentado no evento.

Aristides destaca pontos que considera estratégicos neste momento, conforme nota dos delegados divulgada ao final do congresso: vacinação, políticas emergenciais de combate à fome e à miséria, auxílio emergencial de R$ 600 e recomposição dos orçamentos da agricultura familiar, do INSS e do IBGE. No caso do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), o Congresso fez um corte de 40% dos subsídios previstos, que originalmente somavam R$ 3,3 bilhões. “Não são só os próximos projetos, mas os já contratados pelos bancos”, observa o presidente da Contag. “Isso não dá para pagar nem o que já está contratado.”

Em relação à Previdência, o receio é que faltem recursos para pagamento de benefícios aos trabalhadores rurais. E a preocupação com o IBGE refere-se à perspectiva de que o Censo não seja realizado, um problema que já causou, inclusive, a saída da presidenta do instituto. “É um prejuízo para a maioria dos municípios, principalmente os pequenos”, diz Aristides, apontando a importância do recenseamento para a implementação de políticas públicas.

Produção e consumo

Uma questão específica do setor é relativa ao Projeto de Lei (PL) 735, sobre medidas emergenciais aos agricultores familiares durante o estado de calamidade pública decretado em razão da pandemia. O PL, que resultou na Lei 14.048 – batizada de Lei Assis Carvalho, em homenagem a um deputado que morreu em 2020 –, foi vetado em grande parte pelo presidente Jair Bolsonaro.

Aristides lembra que foi preservado o tópico que preserva direitos previdenciários a quem acessou o auxílio emergencial. Ele observa que é preciso garantir tanto medidas de apoio ao setor como política emergenciais. “Por um lado você tem pessoas produzindo e, por outro, pessoas com condições de comprar.”

É preciso, dessa forma, assegurar recursos suficientes para custeio e investimento, um valor adequado para equalização (subsídio) e juros acessíveis. “Não ter recursos para assistência técnica é complicado porque pode aumentar o índice de endividamento”, acrescenta Aristides, citando outro segmento que também sofreu com os cortes no orçamento.

Raposa no galinheiro

Os representantes do setor perderam interlocução após o impeachment. O Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) foi extinto ainda em 2016. O MDA respondia pelas políticas voltadas para o campo, articuladas com áreas específicas, como as secretarias da Juventude, da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres. “Agora, todas as políticas que interessam à agricultura familiar estão dentro do Mapa”, lembra, referindo-se ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.

Uma pasta voltada, prioritariamente, aos interesses do agronegócio e dos grandes empresários do setor, como observa Aristides. “É como se o Estado brasileiro tivesse entregado as galinhas para a raposa cuidar”, compara. “Estamos sendo cuidados por pessoas que têm a visão dos empresários.” O presidente da Contag destaca ainda o enfraquecimento de órgãos como o Incra e de políticas públicas como o programa Minha Casa Minha Vida, substituído pelo Casa Verde e Amarela. “Não tem casa, não tem recursos”, critica.

Quem é pop?

Ao unificar o Plano Safra, o governo busca “invisibilizar” a agricultura familiar, afirma Aristides, observando que se tratam de áreas absolutamente diferentes. “A grande agricultura produz principalmente para a exportação. A produção vai para fora do país. A agricultura familiar vai para o mercado interno. É o alimento que chega na mesa das pessoas. Nestes últimos anos, os governos tentaram não dar mais essa visibilidade.” Em torno de 70% dos alimentos do dia a dia vêm da agricultura familiar.

Assim, diferentemente da publicidade que faz, o agro não é “pop”, comenta o líder da Contag. “Ali é veneno, é destruição da floresta, alimentos cheios de agrotóxicos. Sem preservação das matas e rios.”

Nos próximos dias, a Contag deverá apresentar suas reivindicações ao governo referente ao Plano Safra deste ano. O anterior ficou aquém das expectativas da entidade, principalmente na questão do crédito, além dos juros muito acima do esperado, embora tivesse havido redução. Além disso, os juros para grandes produtores caiu proporcionalmente mais do que o dirigido aos agricultores familiares.

Impactos da pandemia

A pandemia trouxe mais problema. “O camponês que mora mais distante das cidades às vezes é o que tem mais dificuldade de acesso à saúde.” Não há um dado específico para o setor, mas Aristides afirma que foram perdas “consideráveis”, inclusive de lideranças da agricultura familiar. Nesta semana, por exemplo, morreu a presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares de Aratuba (CE), Jaqueline Simão Pinto.

Houve problemas com o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), que utiliza produtos da agricultura familiar para a merenda. Esse processo foi interrompido com o fechamento das escolas. “Quem vendia direto para o Pnae deixou de vender. Governos e prefeituras deveriam fazer um plano para entregar (os produtos) às famílias dos alunos”, diz Aristides. Segundo ele, isso aconteceu em poucos estados, como Maranhão e Rio Grande do Norte. Já o Plano de Aquisição de Alimentos (PAA) foi em boa parte preservado, por pressão dos movimentos e da oposição, aumentando a proposta inicial do governo.

Assim como outros movimentos sociais, sindicatos e federações ligados à Contag também participaram de campanhas de solidariedade para destinar alimentos a famílias mais necessitadas. Além de todas as questões envolvendo a agricultura familiar, Aristides chama a atenção para a situação política do Brasil. “Nossa preocupação é com a democracia, com o Estado democrático de direito. É preciso voltar às ruas.”

Fonte: Rede Brasil Atual

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