PAULO MEMÓRIA – jornalista e cineasta

Enquanto não houver o despertar de uma consciência moral e humanística sobre as condições de vida dos animais, a humanidade terá sob seus ombros, esta sombra traduzida no sofrimento de vidas indefesas diante da crueldade, do desprezo e da indiferença dos homens com os animais. Por esta razão precisamos, urgentemente, começar a construir uma nova Arca de Noé, absolutamente necessária neste mundo de tantas injustiças e iniquidades praticadas contra nossos mais leais companheiros de jornada civilizatória. Não estamos propondo, por óbvio, a construção de uma arca como uma nau propriamente dita, mas de uma arca institucional, na qual possamos embarcar e salvar os animais de um dilúvio, que não é representado por uma grande inundação, como a descrita na Bíblia, mas por um aluvião simbolizado pelo desprezo, abandono e sofrimento dos animais. Só com o estabelecimento de políticas públicas pertinentes as necessidades da animália, será possível a reversão de um contexto tão perverso como o predominante em nosso país.

Um filme despretensioso, mas que passa bem esta mensagem da construção de uma nova Arca de Noé, é a comédia de fantasia “O Todo Poderoso”, de 2007, dirigido por Tom Shediac, que conta a história de Evan Baxter (Stivie Carrel), um âncora de TV, que se elege deputado no congresso americano e que ao chegar em Washington, recebe uma ordem direta de Deus (Morgan Friedman), para reconstruir uma nova Arca de Noé e todos acreditam que ele enlouqueceu. será? Os animais são as maiores vítimas de uma cultura que não é apenas machista, racista, sexista ou misoginia, mas também carnívora, com uma indústria alimentícia e, particularmente, uma indústria frigorífica, que sacrifica milhões de animais para satisfazer e justificar nosso predomínio no topo da cadeia alimentar. Quando ia a churrascaria e via os garçons passando em rodizio com diversos tipos de carne, sempre me ocorria que estava me deparando diante de um verdadeiro genocídio de bois, porcos, frangos, carneiros, bodes, peixes e até carnes de exóticos animais selvagens. Sempre me perguntei se não poderíamos mesmo sobreviver sem a necessidade da satisfação da proteína animal. Se tantos povos conseguem sobreviver sem o consumo da carne animal, porque nós também não conseguiríamos? Possivelmente pelo fato de sermos educados para comermos sempre com um cadáver no prato. Sim, porque é disso que estamos falando, sempre que comemos um pedaço de carne, estamos tratando de morte, dor, desespero e sofrimento de uma vida, sacrificada para satisfazer um dos nossos mais antigos instintos de sobrevivência. O fato é que o homem, diga-se de passagem, também um animal, já deveria ter evoluído o suficiente para desenvolver uma consciência moral, que poupasse as demais formas de vida dos nossos desejos mais ancestrais. Não somos mais Homens de Neandertal, Homo Sapiens é o que somos, há aproximadamente 300 mil anos, tempo mais que suficiente para sublimarmos nossos ímpetos mais primitivos. Na nossa aventura ao longo de milhares de século, nos levantamos e nos tornamos bípedes, saindo da condição de selvagens para seres civilizados. Acredito que ainda chegará o dia em que nos conscientizaremos de que para alimentarmos o nosso corpo, poderemos fazê-lo poupando a vida das demais espécies. A causa animal não pode se restringir apenas a proteção dos pets, gatos e cães ou no máximo cavalos, mas também a outras espécies, incluindo àquelas cruelmente assassinadas pela indústria de alimentos. Um dia esta nova Arca de Noé zarpara deste porto de iniquidades que tanto vitimiza os animais.

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